Medo que imobiliza? Saiba a partir de que ponto o medo atrapalha…

 

O medo é um sentimento comum a todos os seres. Como todo comportamento (sentimentos, pensamentos ou ações), existe porque tem uma função para nossa sobrevivência. Se não tivéssemos medo, provavelmente, no mundo em que vivemos, aumentaríamos nossas chances de sofrermos acidentes ou nos colocarmos situações em que nos tornamos “presas” possíveis, como no caso de um assalto. O medo é tão funcional, que nos permite, na medida do possível, redobrar a monitoria em situações de risco, como ao atravessarmos uma avenida movimentada ou sairmos para fazer compras em grandes centros comerciais. Quem, nos tempos atuais, conseguiria ir com tranquilidade a um caixa eletrônico à noite ou passear em grandes shoppings populares a céu aberto, por exemplo? Neste caso, valorizamos a função deste sentimento, que é a de servir como “alerta” para nossa proteção e consequente sobrevivência. O medo é, portanto, um comportamento necessário: selecionado para nossa preservação.

Muitas vezes, os desafios do cotidiano, terminam por “ativar” nossas defesas tão frequentemente, que passamos a viver num padrão de ansiedade constante e disfuncional. Fazemos interpretações equivocadas, mesmo quando não há uma possibilidade real de risco. Um exemplo é o “bombardeio” constante de notícias catastróficas a que somos submetidos toda vez que assistimos aos noticiários, e que, muitas vezes faz com que aumentemos nossas preocupações e tentativas de evitarmos sofrimento. De acordo com Rangè (2008), a incerteza perante as sensações de luta-e-fuga leva o cérebro a procurar perigo e, quanto ele não consegue encontrá-lo, começa a buscá-lo no interior da pessoa, inventando possibilidades catastróficas.

A fobia, cujos sintomas são acompanhados por uma grande carga de ansiedade, diante da possibilidade de deparar-se com o objeto temido, afeta significativamente a qualidade de vida e desencadeia sentimentos de vergonha ou constrangimento pela situação. De acordo com Ballone, a fobia é caracterizada por um sentimento de medo, injustificado e desproporcional, que se intromete persistentemente no campo da consciência e se mantém ali, independentemente do reconhecimento de seu caráter absurdo.

Dentre as fobias específicas, estão a de viajar de avião (voar), de alturas, de animais, de dirigir, de injeção, de ver sangue, dentre outros. Um dos critérios (DSM IV) para a identificação de fobia específica é o de que a “exposição ao estímulo fóbico provoca, quase que invariavelmente, uma resposta imediata de ansiedade, que pode assumir a forma de um Ataque de Pânico ligado à situação ou predisposto pela situação.” Há também a Fobia Social, um outro tipo de fobia, caracterizada basicamente pelo medo da avaliação das outras pessoas.

É possível que o medo patológico esteja relacionado à experiências passadas na história de vida. Pessoas que procuram auxílio psicoterapêutico para amenizar este sofrimento, conseguem descrever situações vividas relacionadas ao objeto temido. É comum que algumas pessoas com medo de baratas, por exemplo, lembrem de situações em que foram amedrontadas pela presença (real ou imaginária) do inseto. Pude acompanhar uma moça, com fobia de baratas que, quando criança, ouvia a cuidadora dizendo que “a barata iria mordê-la, caso se comportasse mal”. Mesmo adulta e compreendendo que nenhuma barata iria atacá-la, passou a desencadear respostas de ansiedade extrema, verdadeiros ataque de pânico, diante da possibilidade de deparar-se com o inseto. Além desta fobia específica, desenvolveu também um padrão de comportamentos inseguro com relação à aprovação das pessoas. Toda vez que precisava dizer “não” ou dar limites ao outro, sentia como se fosse ser punida.

A boa notícia é que é possível superarmos o medo patológico e vivermos com mais qualidade, por meio do entendimento da função deste comportamento e de exercícios que promovam uma melhor aceitação e consequente adaptação às situações de desafio. O avanço nos tratamentos de saúde permite sermos benefiados por meio de procedimentos, realizados no ambiente terapêutico, como a psicoeducação (orientações); a análise de situações, a fim de entender as consequências mantenedoras do comportamento que causa sofrimento; e a dessensibilização sistemática, por exemplo. Em psicoterapia, é possível aprender técnicas de relaxamento e vivenciar, de forma controlada (com a supervisão do terapeuta), situações relacionadas ao objeto temido. Pode ser estabelecida uma hierarquia de exposição ao medo, por meio de etapas, do menor ao maior medo, e que vão desde imaginar a situação temida, monitorando a ansiedade gerada no momento, até que se vivencie, de fato a experiência, dentro das possibilidades do contexto (ambiente terapêutico e cotidiano do indivíduo). É muito importante lembrarmos que a exposição ao vivo é precedida pela exposição imaginária, construída dentro do consultório e trabalhada numa hierarquia de situações temidas, desde as consideradas mais fáceis de enfrentamento até as mais difíceis (KNAPP e CAMINHA, 2003). Dependendo do grau de sofrimento envolvido, em muitos casos torna-se necessário o acompanhamento médico, uma vez que o tratamento medicamentoso pode auxiliar de forma significativa na melhora dos quadros de ansiedade.

Trabalhar o medo significa desenvolver autoconfiança, a partir do enfrentamento das situações, cuja forma mais confortável (ou possível) de resolução, até então, seria a evitação. Cada situação de enfrentamento, por mais desafiadora que possa parecer, poderá trazer ganhos, por meio das novas tentativas que, por consequência, nos ensinam outras formas possíveis de nos comportarmos.

 

Bibliografia Consultada:

BALLONE G. J, MOURA E. C Tratamento Medicamentoso das Fobias – in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2008.

KNAPP, P; CAMINHA, R. M. Terapia cognitiva do transtorno de estresse pós-traumático. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2003, vol.25, suppl.1, pp. 31-36. ISSN 1516-4446. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462003000500008. Acesso em: (02/11/2011). 

MOREIRA, B. M; MEDEIROS, C. A. O Reflexo Aprendido: Condicionamento Pavloviano. In: MOREIRA, B.M; MEDEIROS, C.A. Princípios Básicos de Análise do Comportamento. 1 ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 29-46. 

RANGÈ, BPBORBA, A.G. Vencendo o pânico: Terapia integrativa para quem sofre e para quem trata o transtorno de pânico e a agorafobia. Rio de Janeiro: Cognitiva, 2008.