Da família sem filhos ao “tamanho família”: desejo ou necessidade?

A avaliação do outro, aberta ou oculta, é inevitável e torna-se necessário aprender a conviver com ela, sem perder-se dos próprios valores. Tarefa fácil? Difícil, porém necessária. Muitas vezes, a fala comum torna regra, podendo estimular tomadas de decisão precipitadas e até mesmo pouco seguras.

Quando não se tem filhos, se ouvem questionamentos. Quando se tem um filho, por vezes, há questionamentos sobre a chegada do irmão. E quando se tem mais de um filho, é comum ouvirem-se questionamentos sobre as tentativas de se “formar um casal” ou, quando o “casal” de irmãos já se formou, se a família parou por ali. Depois disso, os questionamentos não terminam: há perguntas sobre a dinâmica familiar e da criança: se adormece sozinho ou no colo, se dorme no berço ou na cama dos pais, se usa chupeta, mamadeira, se já começou a falar, caminhar, desfraldou e tantas outras, que variam, de acordo com a imaginação do “freguês”.  Isso sem contar os aconselhamentos e muitas comparações inapropriadas com irmãos ou filhos de pessoas conhecidas, sempre com a intenção, é claro, de ajudar. Independentemente da intenção de quem está oferecendo ajuda, sem dúvida, se nos preocuparmos em atender a todas as expectativas, muitas vezes, podemos acabar nos perdendo, diante das próprias necessidades.

Uma das preocupações de quem tem um único filho, por exemplo, é no que a falta de convivência com irmãos pode acarretar, especialmente no âmbito das relações. Muitas vezes, a preocupação com o desenvolvimento das habilidades sociais da criança leva muitos casais a cogitarem o aumento da família. No entanto, outros fatores precisam ser considerados. Nossa incrível capacidade de adaptação, a que muitos denominam “inteligência”, é um importante ponto em favor da não antecipação de necessidades. A modificação contínua das condições de vida implica numa relação de flexibilidade adaptativa constante, muito própria de cada indivíduo.

Alinhar expectativas e possibilidades não é fácil. Quando nada é igual para todos, torna-se muito difícil, por vezes, evitar as comparações. Desde a idade “ideal” em que se deve colocar o filho na escola até a preocupação com o curso de graduação que escolherá mais tarde, o “padrão” socialmente idealizado se faz presente (despercebidamente ou não). Ariano Suassuna, certa ocasião, comentou sobre uma passagem de sua vida: um jantar comemorativo, em que se deparava com a preocupação de uma mãe, que discorria sobre a falta de “conhecimento” do professor de seu filho. Segundo ela, o professor não teria condições de dialogar com o filho, pelo fato de não ter viajado para os mesmos lugares. Eis um exemplo do quanto as escolhas que fazemos para nossas crianças podem ser influenciadas por nosso julgamento e não, necessariamente, pelas necessidades delas. Segundo Suassuna, o que esta mãe “pensaria”, caso soubesse que ele próprio nunca fora a um parque temático no exterior?

Para mamães, papais e responsáveis, preocupados com o desenvolvimento de seu pequeno, que ainda não sabe se terá um irmãozinho: estudos sugerem que ser filho único não está ligado às dificuldades de desempenho nas diversas áreas. Em alguns casos, essas crianças apresentaram melhor desempenho escolar. Com relação ao desenvolvimento de habilidades sociais, é necessário lembrar-se de que a família nuclear é somente a primeira possibilidade para o desenvolvimento destas. Com mães e pais no mercado de trabalho, na maior parte das famílias, muito cedo, a criança já está em contato com outras pessoas com quem tem a oportunidade de interagir e estabelecer relações. Já nos primeiros anos escolares, não é possível observar diferenças em habilidades de interação entre crianças que são filhas únicas daquelas com irmãos.

A tentativa de evitar que nossos filhos se frustrem ou que enfrentem problemas é, por vezes, uma grande barreira para a construção de autonomia e segurança, necessária para a vida. A decisão pelo número de filhos não deveria ser tomada com base no que se pressupõe ser o ideal para a criança que nasceu primeiro, mas levando-se em conta a dinâmica de cada família: qual é a real motivação e a necessidade. Quando uma decisão é tomada de forma responsável, mais fácil se torna lidar com os diferentes desfechos. “Jogar tudo para amanhã” ou justificar-se com base no passado, afinal “tantos conseguiram dar conta”, pode ser uma forma perigosa de negar as reais condições do passo que se pretende dar. Ter ou não filhos e o tamanho da família, é um propósito entrelaçado na construção de histórias de vida comuns e que, precisa, portanto, levar em consideração o fato de que é justamente na diversidade, que podemos nos complementar e crescer.

Tatiana Berta Otero (CRP 06/93349)
Psicóloga Clínica, Especialista em Terapia Comportamental e Cognitiva (USP), Mestranda do Depto. de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP

 

Bibliografia consultada:

TAVARES, Marcelo B. et al. Características de comportamento do filho único vs filho primogênito e não primogênito. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2004, vol.26, n.1, pp. 17-23. ISSN 1516-4446.  http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462004000100007.