Mania de assistir TV: conversando sobre a função do entretenimento

Ao ler tantos comentários, postados em redes sociais, lamentando o final da novela das 18h, chamaram-me atenção os motivos que levam muitas pessoas a ficarem ligadas à telinha, durante boa parte de seus dias, por meses…

Independentemente de discorrer a favor ou contra assistir novelas, “A Vida da gente”, de forma especial, parece ter sido criada e desenvolvida com tamanha delicadeza e sensibilidade, que podiam ser notadas na riqueza de detalhes, desde a vestimenta de cada personagem até a tentativa de trabalhar de forma coerente e possível os conflitos humanos. Chama atenção, por exemplo, o cuidado de a personagem central sempre estar vestida com uma peça em tons de vermelho, o que poderia nos remeter às sensações de entusiasmo pela vida, pela paixão e pelo amor.

Ao observarmos como as pessoas se comportam (e aqui me refiro ao telespectador que acompanhou o folhetim), entendemos que para todo comportamento há uma função, caso contrário deixaria de existir. Portanto, o comportamento “assistir novela” pode ter relação com necessidades próprias, formadas na história de vida individual.  Sonhos que deixamos de viver, respostas que deixamos de dar e atitudes que deixamos de tomar podem ser, de alguma forma, revistas em papéis de personagens, que poderiam ser qualquer um de nós.  Imaginar-se na situação do personagem, dentro de um ambiente seguro – nossos próprios lares – pode evocar bem-estar, uma vez que, durante um período determinado de tempo, temos a sensação de estarmos no controle: podemos julgar, torcer  e até mesmo decidir pelo destino de cada um, como se fosse o nosso próprio. Embora a maioria das pessoas saiba que o curso de suas vidas é determinado, em grande parte, pelas conseqüências de suas escolhas, muitas acreditam serem vítimas do que chamam de “destino”.  No momento da novela, a idéia de “destino”, no entanto, pode assumir outro sentido, tornando-se algo mais “concreto” e previsível: entendemos e esperamos que a maior parte dos personagens seja agraciada pelo autor com um final feliz, o que alimenta nossas expectativas de acompanhar esse processo. Para muitos, aos poucos, assistir a novela, pela sensação de bem-estar que proporciona, vai tornando-se um hábito e ocupando parte da vida como compartilhar a presença diária de um amigo próximo, por quem se tem carinho e com quem se pode contar.

O final da novela pode evocar, desta forma, em algumas pessoas, sentimentos de tristeza, não pela perda do folhetim exibido diariamente, mas pela função que este passou a ocupar na vida. Portanto, é necessário o entendimento de que tudo passa e de que é possível manter os mesmos objetivos, quaisquer que sejam, por diversos meios. Se a função de “assistir determinada novela” era a de identificação com os personagens, é necessário aceitar a “perda” dos antigos para dar lugar aos novos, que sempre surgem, como ocorre, inevitavelmente, na vida real. Se a função era outra, como a de “sentir-se acompanhado”, é possível desenvolver comportamentos alternativos que cumpram o mesmo papel e que, aos poucos, se tornem hábito, como matricular-se em algum curso que ocorra no mesmo horário, fazer as compras do dia, passear com o cachorro ou até mesmo começar a assistir outro programa ou a próxima novela. Tudo depende da vontade e da necessidade de cada um.

Alguma semelhança entre novela e vida real? Toda, não é? Para continuarmos a viver é necessário, desde muito cedo, aprendermos a lidar com as frustrações, que pode ser desde a perda da chupeta ou a de um animalzinho de estimação até a de um ente querido. Situações de tristeza por perda no cotidiano são muitas vezes desvalorizadas e até mesmo criticadas por quem não atribui ou compreende o valor do que foi perdido para quem a vivencia. No entanto, cada experiência passada auxilia na construção da história de vida individual e serve como treino precioso para lidarmos com importantes conflitos. O importante e esperado é que se continue a caminhar sempre. Frustrar-se faz parte da vida: da vida da gente!

Tatiana Berta

Psicóloga e Psicoterapeuta Comportamental e Cognitiva

CRP Principal (06/93349)

São Paulo/SP

As opiniões expressas pela autora são de ordem pessoal e não substituem a terapia realizada em consultório.