Metas ou obrigações: saiba quando um objetivo passa do limite

* Entrevista concedida pela Psicóloga Tatiana Berta ao Portal Unilever, em Janeiro de 2013 (reproduzida integralmente)

  1. Em que ponto uma meta pode ter passado do limite e se tornado uma obrigação, uma limitação?

O estabelecimento de metas precisa ter uma função na vida do indivíduo. Se este, no decorrer de sua história de aprendizagem, ao traçar objetivos, for reforçado positivamente pelo meio, ou seja: obtiver resultados favoráveis para sua sobrevivência por cumpri-los, como a aprovação dos pais, cuidadores ou pessoas das demais relações, é provável que passe a estabelecer-se novos desafios, diante de sinalizadores de receber os mesmos resultados. Entretanto, como o cumprimento das metas nem sempre depende do esforço pessoal, mas de uma série de variáveis que precisam contribuir para o sucesso da ação, é provável que, diante de situações de falha, o mesmo indivíduo, que em outro momento sentiu-se motivado à repetição do comportamento, passe a demonstrar insegurança, chegando até mesmo a ter sintomas de ansiedade, ao empreender tentativas semelhantes. Neste caso, pode ser desenvolvido um padrão de autocobrança excessiva, a fim de promover a garantia dos resultados positivos: metas passam a ser obrigação e se transformam em “autorregras”, ou seja: conceitos que criamos a partir de nossas experiências de vida e que servem, muitas vezes, de “norte” para nossas ações, a fim de facilitarem nossa sobrevivência.

2. A década dos 20 anos é geralmente a época das conquistas, de conseguir seu espaço no mundo. O que fazer para que o aniversário de 30 anos não se torne um peso se não se conquistou tudo o que queria?

No mundo imediatista em que vivemos, que nos reforça indiscriminadamente pelo alcance de resultados rápidos, muitas vezes é comum que os indivíduos desenvolvam um padrão de baixa tolerância à frustração e se desgastem em função de atingir os resultados idealizados antes de estarem, de fato, preparados para este fim. Objetivando a inserção no mercado de trabalho, por exemplo, é comum que os estudantes, desde muito cedo, sejam estimulados a obter altos rendimentos escolares, que oportunizem, o quanto antes, ao acesso a um curso de graduação diferenciado, que supostamente trará a garantia de um futuro promissor. O tempo, que precisaria também ser usado para o treino de outras habilidades, até mesmo a de brincar ou aprender a descansar quando é possível, é muitas vezes substituído por uma dura rotina de estudos que acaba por ficar associada a esforço e não a prazer. Sendo assim, nem sempre o alcance do objetivo previamente estabelecido torna-se causa de felicidade. É comum vermos pessoas trocando várias vezes de curso ou até de profissão por descobrirem que aquilo que, em algum momento parecia ser a garantia de satisfação, terminou deixando muito a desejar. Quando o aniversário de 30 anos é motivo de preocupação, tem-se claramente uma distorção de evidências de realidade, afinal, estima-se que nossa vida produtiva está cada vez mais longa, especialmente devido aos recursos da medicina, que podem ser usados em favor deste fim. Sofrer por adentrar “a casa dos trinta” pode ser um sinalizador de que o indivíduo desenvolveu um padrão de autoestima inseguro, que não o auxilia a identificar com clareza sua função no mundo. Neste caso, a ajuda profissional é recomendada. A Terapia Comportamental e Cognitiva, por exemplo, pode ser um importante recurso para a promoção de autoconhecimento, o que favorece o entendimento de como foi construído o padrão de aprendizagem individual e o que pode estar sustentando as regras disfuncionais criadas, a fim de que possam ser desenvolvidas e treinadas novas possibilidades posicionamento nos diferentes contextos.

3. Como estabelecer metas mais realistas sem ficar com a sensação de que está sendo condescendente consigo mesmo?

Procure estabelecer metas que tenham relação com o que, de fato, pode trazer benefício próprio. É condição para a construção da autonomia o treino do estabelecimento de uma escala de prioridades, na qual a saúde individual precisa estar em primeiro lugar. Neste treino, é necessário o reconhecimento e o respeito aos limites individuais. Não é funcional estabelecer uma meta que não se pode cumprir, por exemplo: cursar três faculdades ao mesmo tempo, a fim de realizar o desejo do pai. Ainda que seja possível, à custa de muito esforço, cumprir o proposto, não há como não sofrer com as consequências. O reconhecimento dos próprios limites e a sinalização destes ao outro, incluindo-se aí a capacidade de “dizer não”, são importantes fatores para a promoção do planejamento de metas seguras, possíveis de serem cumpridas. Priorizar-se nas relações não é uma atitude egoísta, mas uma sinalização de amor próprio, condição necessária para o desenvolvimento de um posicionamento seguro no mundo.

4. O que fazer para não se cobrar tanto e relaxar, mas mesmo assim não desanimar de seus objetivos aos 20, aos 30 e aos 40?

Quanto mais rígida a pessoa, maior a dificuldade para permitir-se relaxar ou “ficar à toa”. Crenças populares como a de que “Deus ajuda quem cedo madruga”, podem favorecer  a criação de uma regra automática de que não se pode parar nunca, sob pena de se perder algo de valor. O importante é começar a auto-observação dos comportamentos de rigidez e, na medida do possível, avançar com atitudes diferentes daquelas que se tornaram “padrão”, mas que não funcionam. Não é necessário esperar o feriado para descansar a mente das autocobranças, é possível fazer isso a cada dia, um pouquinho, se permitindo pequenos prazeres como parar e ouvir música por cinco minutos ou ir para a cama meia hora mais cedo, apenas para ficar deitado, relaxando… Desta forma, vamos treinando novas possibilidades de agir e realizando o aprendizado de novos comportamentos.

5. E como evitar a comparação com os amigos, às nossas vistas mais bem sucedidos, um dos principais problemas para a auto estima quando se atinge estas idades-chave?

Por necessitarmos do convívio social, nem sempre é possível evitar a comparação com os amigos. No entanto, é possível fazer um treino de auto-observação e priorização das próprias necessidades, que auxilie na escolha de relações que sejam mais funcionais para nossas vidas. Quando nos sentimos mais seguros de nossas escolhas, ou seja: quando reconhecemos, de fato, as próprias necessidades, se torna mais fácil selecionar ambientes e relações que favoreçam o reforçamento de nossa autoestima. Relacionar-se, como qualquer outro comportamento, passa por um esquema interno de aprendizados, construídos ao longo da vida. Pessoas muito cobradas ou que viveram em lares de muita tensão e com poucos modelos de carinho, incentivo e acolhimento, podem ter dificuldade para colocarem as próprias necessidades como prioridade, o que implicaria em colocar-se no mundo de forma assertiva, dizendo “não” para o que não favorece a construção da autonomia.

6. E como aliviar os sintomas das chamadas crises da meia idade aos 40 anos?

Em primeiro lugar, é necessário começar a aceitar que dificilmente somos capazes de atingir o IDEAL porque este existe somente na imaginação de cada um. O que podemos, de fato, realizar é o que é POSSÍVEL, dentro das condições individuais, lembrando que estas sempre podem ser modificadas, de acordo com a necessidade que o contexto apresenta e a capacidade de cada um. Um indivíduo que treina o autoconhecimento encontra-se em vantagem sobre os demais, uma vez que consegue selecionar aquilo que pode trazer benefício próprio, bem como evitar o que traz sofrimento. Nem sempre é sinal de fracasso não alcançarmos o padrão de felicidade imposto culturalmente. Desde que se tenha consciência das próprias necessidades, é possível ser feliz, mesmo que não tenhamos a família do comercial de margarina ou o carro mais desejado do momento. Aprender a relaxar, por exemplo, pode ser um grande aliado neste processo, uma vez que um padrão de ansiedade dificulta nosso posicionamento assertivo no mundo. Tire uma horinha do seu tempo para realmente deixar o relógio de lado, durma um pouco mais, alimente-se melhor, esteja com pessoas com quem tem vontade de estar… Sem culpa, porque sua saúde exige!

* Entrevista solicitada a um portal de saúde, reproduzida na íntegra.

 

Tatiana Berta

Psicóloga e Psicoterapeuta Comportamental e Cognitiva

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