Casamento muda tudo?

         A satisfação do casal aumenta quando existe proximidade e abertura, características de uma boa comunicação e pode estar relacionada ainda às sensações de bem-estar que ocorrem quando há companheirismo e intimidade. No entanto, a estabilidade da relação nem sempre diz respeito a estes fatores, mas pode estar relacionada a outros, como medo da mudança, da solidão ou até mesmo da perda do status social. Em alguns casos, a simples possibilidade de mudança do estado civil na documentação, leva muitos a postergarem uma tomada de decisão, por vezes necessária para o resgate da autonomia, por vezes comprometida na relação.

             Alguns casais apresentam mais dificuldades em aceitar às mudanças inerentes a cada momento da relação, o que já pode ser visto antes mesmo antes da chegada dos filhos. Por mais paradoxal que pareça, embora nosso mundo seja repleto de recursos dos quais deveríamos poder usufruir, aprendemos a competir, desde cedo, até mesmo com “a própria sombra”, como vemos ocorrer com crianças ou adolescentes, ao cobrarem-se melhores performances a cada simulado pré-vestibular. Num meio que estimula a competição, portanto, por mais que cultivemos valores relacionados à cooperação e ao respeito mútuo, infelizmente cada vez mais as pessoas se distanciam do aprendizado da empatia e compaixão com as necessidades do próximo. Assim, observa-se cada vez menos flexibilidade diante de mudanças, quando estas dizem respeito a lançar mão de algum ganho imediato. A aprendizagem de “abrir mão”, em função dos ganhos que virão em longo prazo para a relação, é um treino que precisa ser aprendido antes mesmo dos planos de casamento ou aumento da família. Quando surge este desejo, por exemplo, é necessário que o casal procure buscar compreender o que espera a partir da chegada da criança, que muitas vezes já vem acompanhada de grandes expectativas e, por vezes, carregando responsabilidades que não pertencem a ela. Mesmo quem se considera bem preparado pode sofrer após mudanças significativas como a chegada de um filho, uma perda de emprego ou uma mudança de país, por exemplo. A perda da ilusória zona de conforto somada ao aumento das responsabilidades e deveres inerentes aos papéis que agora assumem, pode ser acompanhada de insegurança e dificuldades de aceitação.

             Condições financeiras também influenciam na relação familiar, bem como a base de crenças e valores comuns Permitir-se vivenciar os sentimentos, sem julgamento é um treino necessário neste momento. Embora nem sempre seja possível identificarmos, cada sentimento carrega consigo a função de promover autoproteção, por mais distorcido que possa parecer no momento em que os experimentamos. Assim, torna-se imprescindível o desenvolvimento de autoconhecimento, a fim de que o desenvolvimento de consciência, terreno fértil para as tomadas de decisão, possa ser facilitado.  A adaptação à rotina de convivência varia de família para família e é importante lembrar ao casal que, mesmo em meio às dificuldades, se o sofrimento passar a ser maior que o desafio da superação, antes de se cogitar a possibilidade de separação, a ajuda profissional pode ser indicada, a fim de auxiliar no resgate dos objetivos que temporariamente não estão sendo identificados.

 

*Tatiana Berta Otero (CRP 06/93349)

Psicóloga Clínica, Especialista em Terapia Comportamental e Cognitiva (USP), Mestre em Saúde Coletiva pelo Depto. de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP).