Até que ponto consumir é uma necessidade?
Quem é que nunca se sentiu tentado a comprar tal celular ou usar tal grife para ser visto como alguém que “está na moda” ou “dentro de determinado padrão”? O problema, no entanto, não é ceder ao desejo eventual de comprar, mas fazer disso uma necessidade real, o que acaba por afetar a forma de colocar-se no cotidiano, quando não é possível adquirir o que se colocou como obrigação. Isso sem contar os problemas práticos, como ver a casa abarrotada de coisas que não tem uma real utilidade e a conta bancária comprometida.
Muitas vezes, nos deparamos com dificuldades em lidar com as frustrações, ou seja: com a necessidade de encarar o espaço existente entre algo idealizado e o que aquilo que é, de fato, possível de ser realizado. Dificuldades como a perda ou falta de algo do qual acreditam necessitar, podem levar algumas pessoas a desenvolverem hábitos alternativos e nem sempre adaptados, dentre os quais podemos citar o consumo excessivo de bens ou produtos ou até mesmo o gosto pelos jogos ou a dependência de um relacionamento. Comprar excessivamente pode ser um evento, interpretado por nosso cérebro como algo que traz um alívio momentâneo, possível e fácil de ser adquirido: uma espécie de “recompensa”, que ativa justamente as áreas responsáveis pelas sensações de bem-estar em nosso complexo sistema de funcionamento. No entanto, tal atitude pode tornar-se frequente e desproporcional, tornando-se um sinal de dependência, trazendo prejuízo e sofrimento por comprometer outros aspectos, como relacionamentos e orçamento familiar, por exemplo.
O “comprar descontroladamente” pode ser classificado na categoria dos “Transtornos de Controle de Impulsos não Especificados” pelo DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Um dos motivos que leva ao consumismo exagerado é a exposição constante e inevitável às estratégias do comércio, que acaba por determinar o que seria importante ou conveniente para a pessoa. Um indivíduo com baixa autoconfiança poderá ceder mais facilmente às tentações do consumo, uma vez que pode possuir autorregras de que é impossível viver sem a aprovação social. É comum encontrarmos pessoas que sofrem por não se sentirem parte integrante de um grupo determinado, ao qual gostariam de pertencer. Muitos chegam a fazer dívidas para comprar objetos ou bens materiais que não seriam realmente necessários por alimentarem a “crença” de que se tornariam mais felizes após adquiri-los. Como conseqüência, além de terem que encarar o fato de que a felicidade não veio como conseqüência do gasto, ainda precisam, muitas vezes, arcar com os custos desproporcionais ao orçamento próprio.
Quanto maior a expectativa de ser aceito socialmente, mais elevado o padrão de auto-exigência, o que pode acarretar em mais sofrimento, pois no que se refere a relacionamentos e aceitação social, não é possível ter o controle sobre o curso dos acontecimentos, uma vez que ser aceito não depende exclusivamente da ação individual ou vontade própria, mas de uma série de variáveis, dentre as quais também da vontade do outro, que é parte da relação.
No entanto, pelo imediatismo imposto em nosso cotidiano, termina-se por aprender que é possível que sejam supridas, ainda que momentaneamente e de forma disfuncional, algumas lacunas provocadas pela falta do que foi interpretado como necessidade. Muitas vezes, pode parecer bem mais fácil e confortável aceitar um parcelamento interminável no cartão de crédito, a fim de que seja adquirida a bolsa mais cara e desejada, do que começar a entender quais são as reais necessidades. Cuidar-se implica em observar o que precisa ser mudado e dispender a energia necessária na modificação dos comportamentos que geram desgaste. O ser humano tornou-se imediatista, buscando resultados mais fáceis e com isso acaba, muitas vezes, criando armadilhas como ceder ao alívio momentâneo proporcionado por algumas atitudes que, embora pareçam a solução dos problemas, podem trazer dependência e sofrimento. Após a maratona de compras, instalam-se as culpas, o medo e a necessidade real de reparar um dano que poderia ser evitado, caso houvesse o treino de colocar o autocuidado como prioridade nas relações.
Fonte Consultada: DSM IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 4º Ed. texto revisado)
Tatiana Berta
Psicóloga e Psicoterapeuta Comportamental e Cognitiva
CRP (06/93349)
São Paulo/SP