Relacionamento: hábitos que atrapalham a vida a dois

* Entrevista concedida pela Psicóloga Tatiana Berta à revista AnaMaria (jornalista Ricardo Régener, em Janeiro de 2013, reproduzida integralmente).

 

Jornalista: Um casal, quando se decide a viver uma vida em comum, precisa adaptar-se e, ao mesmo tempo, manter a individualidade. Qual é o ponto de equilíbrio?

Psicóloga: Tenho percebido, em minha prática clínica, que o desgaste dos relacionamentos normalmente está relacionado à perda do ideal formado no início da relação. Fazer uma espécie de “marketing pessoal”, ou seja: selecionar as características que podem chamar mais atenção do parceiro, pode ser bastante funcional para a conquista. No entanto, para a manutenção da relação é necessário que outras características apareçam, a fim de que o casal se adapte às modificações necessárias. Quando não há o estabelecimento de uma relação de confiança, já no início da relação, que propicie espaço e segurança para que cada um dos parceiros fale sobre as próprias necessidades, dificuldades e desejos, torna-se um problema a aceitação e até mesmo o reconhecimento do parceiro no decorrer do tempo. Ouço muitos casais queixarem-se de que “o marido ou a esposa mudaram depois do casamento” ou que esta suposta mudança ocorreu “após a chegada dos filhos”, o que não me parece ser uma afirmação condizente com a realidade. Quando, em terapia de casal, ambos os parceiros têm a oportunidade de analisar o contexto presente, correlacionando-o com acontecimentos do passado da relação, é frequente percebermos que as características apontadas como “problema” sempre existiram, porém foram deixadas “embaixo do tapete”, pois geravam ameaça à estabilidade da relação.

Jornalista:Porque, afinal, ainda existem relacionamentos que acabam por causar pequenos desentendimentos?

Psicóloga: Não podemos dizer que a relação causa os desentendimentos, mas que as atitudes de cada um dos parceiros, quando não se observam as consequências destas para o outro, desencadeiam problemas. Uma relação a dois é formada pela soma de tudo aquilo que um parceiro oferece ao outro, o que normalmente caracteriza o que chamamos de “união”. Um casal unido normalmente é aquele que, de acordo com o senso comum, se entende bem. Para que haja o entendimento, o principal critério é a comunicação.

Jornalista:Quais as possíveis consequencias para um relacionamento, de manter pequenos hábitos ruins que desagradam/ofendem o parceiro?

Psicóloga: Tudo o que um dos parceiros faz gera consequências positivas ou negativas para ambos. Pequenas atitudes na rotina da relação, como a famosa toalha molhada em cima da cama ou a tampa do vaso sanitário aberta (quando já foi evidenciado um incômodo para um dos parceiros) gera uma pequena consequência desfavorável à saúde do relacionamento que, somada à outras pode gerar um grande estrago, com o passar do tempo.

Jornalista: Ouvimos que os pequenos hábitos ruins são apenas reflexos de problemas/desentendimentos maiores… Qual é a posição da senhora em relação a isso? Os pequenos hábitos ruins são apenas reflexos de problemas maiores, ou eles podem – por si só – causar danos ao casamento? Por quê?

Psicóloga: No início da relação, é comum que a tolerância seja maior, uma vez que existe o “encantamento” pela possibilidade de, finalmente, ter-se encontrado a “cara-metade”. Sabe-se, porém, que a idealização, aos poucos, vai dando lugar às evidências de realidade, e que existe a necessidade de um movimento de adequação de ambas as partes, a fim de que os comportamentos do parceiro continuem a estimular o desejo pela relação. Pequenos hábitos do dia-a-dia fazem parte do padrão comportamental aprendido pelo indivíduo no decorrer de sua história de aprendizagem. Quando se escolhe um parceiro com quem conviver, é compreensível que nem sempre este tenha desenvolvido um padrão semelhante no decorrer das suas experiências de vida. O que ocorre é que, muitas vezes, no início da relação, hábitos que causam desconforto no companheiro nem sempre são comunicados, geralmente por medo de causar um desconforto ou um desentendimento para o casal. Muitos hábitos nocivos à relação, por vezes, são tolerados ou, até mesmo, compensados por momentos positivos. Com o passar do tempo, no entanto, o problema se instala, pois tais hábitos somados aos problemas do cotidiano, dentro e fora da relação, acabam deixando de ser tolerados, causando grandes estragos.

 

Jornalista: Baseado na experiência clínica da senhora, poderia nos enumerar alguns comportamentos que são queixas frequentes nos atendimentos?

Psicóloga: Muitos casais buscam auxílio profissional quando está muito difícil restabelecer ou mesmo instalar uma comunicação mais eficiente, que favoreça a continuidade da relação. O papel do terapeuta é basicamente o de um facilitador, um “decodificador” dos “não-ditos”, “não ouvidos” ou “não entendidos”, pois a comunicação é o primeiro fator comprometido, quando a relação entra em dificuldade, isto porque se torna muito difícil uma neutralidade, quando se está sob controle da emoção. Dentre as queixas mais observadas, podemos citar:

 

– “Ele/ela…

 

  1. 1. …não me ouve.” Esta é a principal queixa observada e a que requer mais atenção, pois uma boa comunicação é a base de um relacionamento seguro.

 

  1. 2. …faz drama, vive de passado.” Esta queixa sinaliza que um problema não foi devidamente cuidado quando ocorreu e que se tornou um assunto abordado com  frequência por um dos parceiros, provocando desgaste na relação.

 

  1. 3. …nunca me pediu desculpas.” Para muitas pessoas, é muito difícil assumir a responsabilidade por algum desconforto causado ao companheiro, sobretudo quando esta é uma demanda do outro e não uma necessidade própria. Nesta hora, sentem-se pressionadas e geralmente temem assumir uma posição inferiorizada, mesmo sendo provável que ocorra o contrário, ou seja: a valorização do posicionamento do parceiro.

 

  1. 4. … fica horas ao telefone com a amiga/amigo.” O hábito de não monitorar a relação de uma forma positiva, ou seja: de estar atento se os momentos do casal estão gerando satisfação, faz com que, muitas vezes, diante de uma possibilidade de obtenção de reforçamento (alívio, alegria ou distração, por exemplo) não seja percebido o desconforto que a atitude causa ao parceiro.

 

  1. 5. … não dá valor ao dinheiro.” Valores são regras internas, aprendidas no decorrer da história individual. Nem sempre o que é valorizado por um tem a mesma importância para outro. A dificuldade de comunicação leva, muitas vezes, a uma falta de entendimento sobre questões vitais para a relação. Além disso, muitas vezes o hábito de adquirir bens pode sinalizar uma compensação de algo que está faltando na relação, isto porque nosso sistema de recompensa cerebral é estimulado quando estamos diante de possibilidades de obtenção de prazer.

 

  1. 6. …não lembra de datas importantes para o casal.” Mais uma vez, estamos diante da questão dos valores aprendidos na história individual. Para muitos, o fato de não lembrar de datas não tem relação com a importância do outro na vida, uma vez que as comemorações estão mais relacionadas com o esperado e/ou adequado socialmente e não, necessariamente, com uma necessidade para a sobrevivência da relação. Muitos consideram os pequenos prazeres diários, como o “bom dia”, um carinho ou elogio, como pequenas celebrações da vida do casal. No entanto, enquanto existir o relacionamento, existirá  a possibilidade de aprendizagem. Se desde o início da relação, for alimentado por ambos o prazer de comemorarem juntos, torna-se mais fácil manter este padrão no decorrer da relação. No entanto, se a comemoração trazia mais reforçamento para um dos parceiros, é provável que o desejo de comemorar as datas especiais seja enfraquecido, no decorrer do tempo.

 

  1. 7. …dá mais importância para a televisão.” Muitas vezes, assistir televisão, falar ao telefone, sair para o futebol, academia ou qualquer outra atividade que oportunize distração e relaxamento, funciona como necessidade para a manutenção da relação. Não necessariamente precisa ser ruim exercitar atividades das quais parceiro não participe, uma vez que, preservar a autonomia é fator indispensável para qualquer ser humano. Quando não priorizamos as próprias necessidades, deixamos de sentir-nos plenos e, consequentemente, deixamos de oferecer nosso melhor ao outro. Não é a quantidade de tempo que se passa juntos o que caracteriza  positivamente uma união, mas a qualidade deste tempo.  Uma certa autonomia é sempre muito importante, desde que respeitados os acordos estabelecidos na intimidade do casal.

 

  1. 8. …não pergunta como foi meu dia ou o que estou sentindo.” Para algumas pessoas, o “ouvir” é um indicativo de que existe amor e segurança na relação. No entanto, é sabido que o bem-estar na relação é resultado de uma soma de muitos comportamentos que são reforçados mutuamente. Algumas pessoas são mais sensíveis aquilo que é falado do que outras, o que pode ser indicativo de uma autoestima mais ou menos fortalecida.

 

  1. 9. …espalha objetos pessoais pela casa inteira.” Este e outros hábitos bastante comuns como o de deixar a toalha molhada em cima da cama, pode causar transtornos na convivência a dois e, na verdade, em qualquer situação em que exista necessidade de dividir o espaço com outras pessoas, como uma estada na casa de amigos. Atendi a uma paciente que queixava-se de que o marido “montava mini-ilhas” pela casa com os objetos pessoais e que, embora tal hábito a aborrecesse, preferia guardar os objetos nos devidos lugares, a combinar outras possibilidades, o que é um erro, pois o marido jamais teve nenhuma consequência diretamente relacionada ao hábito. É importante lembrar que sempre que houver oportunidade para o diálogo, haverá possibilidade de entendimento, já o contrário não existe, pois ninguém necessariamente “adivinha” o que pode estar sendo causa de mal-estar.

 

10. … quer saber quem aceito em minha rede social e o que é conversado.”

Muitas vezes, esta monitoria excessiva pode indicar a necessidade de controle das atitudes do parceiro, a fim de que se tenha segurança de que não haja ameaças à relação. Esta é uma atitude que indica falta de confiança e que, normalmente, faz com que o outro passe a se privar de contatos com outras pessoas que são também importantes na vida. O perigo não está na rede social, mas na forma como é utilizada. Se utilizada, respeitando-se os “combinados” na relação, dificilmente haverá problemas e ambos poderão sentir-se respeitados e seguros da confiança do parceiro.