Relacionamentos abusivos: como ocorrem e o que os mantém?

Toda forma de relacionamento que implica em imposição direta ou indireta de sofrimento a um dos parceiros pode ser considerada abusiva. Os vários tipos de violência são sempre um risco para perturbações físicas ou emocionais, impactando negativamente na qualidade de vida.

Um namoro abusivo pode ser porta de entrada para uma união duradoura baseada na violação do espaço individual e do respeito dos quais somos dignos. Atitudes aprendidas no convívio social (modelos ou experiência direta) são reproduzidas de forma permissiva ou agressiva nas relações. Sempre é importante lembrar que para aprendermos algo, não precisamos necessariamente ter passado pela experiência. A convivência com pessoas que exercem qualquer tipo de controle abusivo já favorece a aprendizagem de atitudes semelhantes. Quando somos expostos constantemente à punição, podemos aprender que esta é a única forma de resolução de problemas, reproduzindo tais atitudes nas relações. Referências ou modelos de interação presentes em cada história de vida facilitam a construção das bases para nosso funcionamento e das expectativas a respeito do que esperamos receber dos demais.

Mais do que a violência física, a psicológica é a que mais deixa marcas na vítima, especialmente pela frequência e intensidade maiores no cotidiano da relação. O aprendizado da violência psicológica ocorre em ambientes de críticas constantes, humilhações e desprezo – seja por meio de atitudes ou de palavras, por exemplo: ameaças, desvalorização ou destruição etc. Agindo desta forma, muitas vezes o agressor procura ter controle sobre a vítima, muitas vezes buscando aliviar-se dos próprios sentimentos de insegurança. Esta dinâmica é muito vista em relacionamentos permeados por ciúme excessivo, por exemplo. Estudos sobre violência nas relações íntimas consideram o abuso dentro de um processo como cíclico, cuja evolução se dá em três fases:

1)      Intimidação: Com a finalidade de favorecer o controle sobre a vítima, o agressor procura tornar o ambiente tenso. Isso pode se dar por meio de provocações que se transformarão em discussão, na qual, a vítima procura argumentos para justificar-se ou defender-se. A depender do perfil, esta fase pode evoluir mais rapidamente, se associada ao uso de bebidas ou drogas.

2)      Ataque: Nesta fase, o agressor recorre à violência (agressões físicas, psicológicas ou sexuais), com aumento em frequência e intensidade, podendo até ocorrer risco à vida da vítima.

3)      Reconciliação: Nesta fase, há alteração do comportamento do agressor, que se torna mais afetuoso, carinhoso ou atento. Geralmente, a intenção é obter o perdão da vítima e retomar a segurança. Pode ocorrer a promessa de mudança e o pedido de desculpas, a fim de não correr de ser abandonado.

A descrição deste difícil processo nos auxilia a compreender porque, mesmo sem justificativa aparente, vítimas se sentem culpadas pela violência cometida por seus parceiros e encontram enorme dificuldade em sair da relação, mesmo sofrendo danos severos à saúde e qualidade de vida. A falta de confiança nos próprios valores é acompanhada por atitudes de conformismo e de supervalorização da presença do outro, reforçando o ciclo da dependência emocional.

Não é fácil perceber quando a própria relação se encontra nesta dinâmica, por isso é fundamental, diante do sofrimento, conversar com outras pessoas. A barreira da vergonha precisa ser vencida e o pedido por ajuda feito, o mais breve possível! Muitas vezes é difícil compartilhar os sentimentos com amigos ou familiares, uma vez que, a depender das características individuais, cada conselho recebido se torna mais uma autocobrança e, por consequência, outro sofrimento. A ajuda psicológica é, portanto, fundamental no reconhecimento das situações e na busca do desenvolvimento de um repertório de atitudes que favorecerão a construção de autonomia e a autovalorização, que permitirão escolhas conscientes e coerentes com a necessidade de cada um.

 Tatiana Berta Otero 

(Psicóloga Clínica – CRP 0/93349, Especialista em Terapia Comportamental e Cognitiva, Mestre em Saúde Coletiva)