Sobre consumo e escolhas: o que pode haver por trás de tantos desejos?

O desejo de consumir tem relação com o que selecionamos a partir da vivência de uma experiência com as consequências que promove. O consumo intenso de bens e materiais, por exemplo, pode promover a ideia de que somente  a minoria é especial e que, portanto, quanto mais diferenciados nos tornamos, mais vantagens poderemos ter.

quando o consumo vira consumismo

Todos já tivemos o desejo de sermos especiais de alguma forma ou por algum motivo. É característica inerente à condição humana, a necessidade do recebimento de afeto e atenção. E não é diferente nas organizações, compostas por seres-humanos, capazes de “personificar” produtos ou status, dando-lhes caráter de importância. Podemos perceber que nossa sociedade se organiza ao redor de poderosos signos, ou seja: de representações: não importam os objetos, mas a representação deles. Quando empresas empregam algum sistema de premiação como “o melhor do ano”, por exemplo, rapidamente o que estava despercebido para a maioria, acaba sendo notado e se transformando numa necessidade ou padrão a ser seguido. Se fizermos um “passeio” sobre os processos de criação e desenvolvimento de um produto, passamos a perceber que não basta lançá-lo no mercado, é necessário torna-lo uma referência, um “desejo”.

Consumir determinadas grifes como regra (de forma automática ou por impulso), economizar horrores para trocar o carro pelo modelo mais novo a cada final de ano ou mesmo fazer parcelas intermináveis no cartão de crédito para acompanhar a nova versão do celular, são exemplos disso. A dificuldade em dizer não para algum alimento, especialmente aquele proporciona mais prazer, pode ser outro exemplo que, embora seja diferente do ato de “comprar” em si, acaba atendendo uma necessidade semelhante, afinal: “hoje eu mereço!”. Não é assim que costumamos nos recompensar?

Sendo exemplares únicos, formados de carga genética e experiência de vida próprias, imagine o quão diversa é a possibilidade de termos perfis diferentes ao nosso redor. Mesmo quando nos percebemos parecidos, se estivermos nos referindo às questões relacionadas à base de nossa sobrevivência, como alimentação, segurança e conforto, somos todos diferentes, “ainda bem”. As diferenças são, geralmente, complementares e não deveriam ser vistas, portanto, como ameaças ou metas a serem conquistadas. Há inúmeros fatores que contribuem para que nosso “jeitão” próprio, ou “personalidade”, se desenvolva ao longo de nossa existência.  Sobre este paradigma, nossa forma de pensar e nos colocarmos no mundo não é algo predeterminado, podendo ser construída, a cada momento, a partir de nossas interações com o meio.

Quando nossas escolhas ocorrem de forma automática, corremos o risco de repetirmos incansavelmente uma zona de conforto que pode ser prejudicial, pelo simples fato de não nos permitir evoluirmos. A evolução ocorre na mudança: de atitude, de pensamento, de paradigmas… Pensamentos não mudam comportamentos, mas podem ser acompanhados de condições favoráveis para as escolhas que desejamos fazer.

Com relação a próxima escolha imediata: seja a compra do chocolatinho da doceria, na volta do intervalo do almoço ou até mesmo a “urgência” que surgiu pela troca do celular com a tela arranhada, se for possível: pare e pergunte a si mesmo: “essa é uma tomada de decisão consciente ou somente uma repetição, que vai gerar um prazer muito grande, acompanhado de um mal-estar na sequência?”… Nem sempre é fácil sairmos do “modo automático” sem auxílio, sobretudo quando nosso padrão de comportamento já é característico de um transtorno emocional. Então, peça ajuda a um especialista, preferencialmente psicólogo ou médico, que são profissionais capacitados ao acolhimento e orientação sobre qual será a melhor metodologia a ser adotada em busca das mudanças necessárias. Há inúmeras ferramentas em psicoterapia que podem ser úteis quando estamos em busca no reconhecimento de nossos próprios valores, a fim de favorecermos nossas escolhas. Por que não tentar?

 

Tatiana Berta Otero (CRP 06/93349)

*Psicóloga Clínica, Especialista em Terapia Comportamental Cognitiva, Mestre em Ciências (Saúde Coletiva)